
Certa vez recebi no meu consultório uma técnica de enfermagem, com seus 59 anos, diagnosticada com bursite no ombro direito, tendinite no tornozelo esquerdo e 5 hérnias (cervical, torácica e lombar). Ou seja, dores crônicas.
Negando-se a entrar em um tratamento a base de medicamentos, resolveu experimentar a abordagem terapêutica, naturalista chamada Experiência Somática que vem apresentando resultados bastante efetivos não só em casos de dores e também, ansiedade, fobias, pânico, dentre outras. Esse método nos permite ouvir o cliente, sem muitas escuta da voz e sim pela escuta das palavras do próprio corpo, contribuindo para que ele sustente essa escuta que traz emoções denominadas por seu criador Peter Levine, de “emoções de sobrevivência”, de raiva e pavor, sem deixar que esses estados se apoderem dele.
Durante o processo de escuta, percebemos que a cliente vivenciou uma série de experiências desafiadoras, como abuso, abandono, torturas psicológicas, e a sua estrutura física e emocional não suportou tantos eventos sequenciais que entrou, digamos assim, em uma espécie de “curto circuito”. E quando o nosso sistema nervoso é super estimulado, se sobrecarrega, desorganiza e gera um trauma.
O trabalho foi desenvolvido estimulando a cliente a descarregar a intensa carga emocional, contribuindo para a autorregulação do seu sistema nervoso. A autorregulação acontece quando ajudamos a cliente a perceber as suas sensações e emoções no corpo, encorajando-a e dando suporte para que de forma segura possa olhar para esses eventos traumáticos, permitindo retirar e separar o medo da imobilidade e liberar a energia contida no sistema.
Foi dessa forma que a cliente pôde “autorizar” o seu sistema nervoso a descarregar, e essa descarga se apresentava por meio de tremores nos braços e, principalmente, nas pernas e aliviar as suas dores com treze sessões.
O processo de resgatar o equilíbrio em casos como esse apresentado, requer muito cuidado. E é semelhante a entrarmos em um quarto escuro para acender a luz. Portanto, requer habilidade para perceber em que parte do corpo essa dor se manifesta, com suavidade, pois, afinal de contas, tocá-las com profundidade pode implicar em uma retraumatização.
Quando estamos no limite do trauma, a ajuda terapêutica é de fundamental importância para que o resgate do equilíbrio seja feito de forma segura e consciente. Foi importante que a cliente percebesse que a dor faz parte dela e não é ela; que pode ser integrada à sua história sem se tornar a “dona do seu destino”. Entrar no limite do trauma reconhecendo a suas vivências e utilizando-se de recursos que fortaleçam a cura contribui para que o cliente se fortaleça e mude o rumo da sua história.
Artigo publicado no jornal Diário de Ilhéus em 01/09/2017 e republicado em 09/08/2019.
Eulina Lavigne é mãe de três filhos, escritora, administradora, terapeuta e palestrante com formação em Constelação familiar pelo Hellinger-Institut Landshut (Alemanha), especialista em Trauma pelo Instituto Junguiano da Bahia. Formada em Experiência Somática e membro da Associação Brasileira de Trauma. E-mail: eulinaterapeuta@gmail.com | site:www.eulinaterapeuta.com WatzApp: 71-99979-3433