Esses dias, acordei me perguntando qual a função de presenciarmos tantos atos de desrespeito à mulher. Sim, porque entendo que esse é um convite para pensarmos e repensarmos para onde vai o nosso olhar quando nos deparamos com tantos fatos. Aceitando o convite de Bert Hellinger, criador da terapia da Constelação Familiar, além de olharmos para a vítima, vamos direcionar o nosso olhar, com compaixão, também para o agressor que, provavelmente, pode ter sofrido abusos em sua infância.
Não estou aqui saindo em defesa do agressor, e sim, observando, enquanto terapeuta, onde e como se instalam as patologias, que podem vir do abandono por parte dos pais, ou por desafetos entre os casais, impedindo que a vida siga o fluxo com harmonia.
Muitas crianças que vivem em orfanatos sofrem muito e, de alguma forma, ao se tornarem adultos, devolvem para a sociedade os maus tratos sofridos.
Certa feita, tomei um ônibus e entrou uma mãe com um filho de seus 8 anos, e ficaram em pé ao meu lado. A criança chorava e dizia para a mãe que estava com sede. A mãe, muito irritada, dizia ao filho para calar a boca e que não tinha água no ônibus para dar a ele. Ele responde dizendo que antes de entrar no ônibus, fazia tempo que ele dizia a ela que estava com sede. A mãe se calou.
Enquanto o ônibus fazia o seu percurso a criança continuava aos berros. E, mais irritada ainda, a mãe diz ao garoto que se ele continuar a gritar, iria dar uma boa pisada no pé dele. Eu, sem acreditar no que estava ouvindo, levantei as vistas e encarei a mãe, que ficou sem graça.
Para minha surpresa, ouço um grito da mãe, por conta de uma boa pisada que o filho deu no pé dela. E, confesso, que diante da falta de olhar daquela mãe para o pedido daquela criança e, a forma como lidava com ela, senti um conforto com a reação dela, embora não faça ideia da labuta daquela mãe. Foi o meu Eu Inferior que se manifestou naquele momento.
Diante do fato exposto, a mãe diz ao filho, que quando chegar em casa, vai trancá-lo no quarto, deixá-lo sozinho e sair. Eis que os berros da criança aumentavam e, finalmente, eles chegaram ao seu destino e a paz voltou a reinar no ônibus.
Depois que vivenciei essa cena, fiquei a me perguntar o que aquela criança está recebendo de uma mãe e que imagem está construindo do universo feminino? Será que estão devolvendo os cuidados recebidos? Da mesma forma, a criança que cresce vendo o pai maltratar a mãe e isso ser visto como um gesto normal, onde a mulher aceita os maus tratos com medo do agressor. É a tal da patologia da Normose, na qual nos acostumamos com o que deveria ser anormal.
Aqui, fica o convite para pensarmos e repensarmos o quanto somos responsáveis e coniventes com tudo isso que estamos vivendo. Que sociedade estamos construindo?
Penso que o amor e o afeto devem ser a base da família, se desejamos paz em nossas vidas.
Artigo publicado em 08/09/2017 no jornal Diário de Ilhéus.
Eulina Lavigne é mãe de três filhos, Administradora, Terapeuta e Palestrante com formação em Constelação familiar pelo Hellinger-Institut Landshut (Alemanha), especialista em Trauma pelo Instituto Junguiano da Bahia. Formada em Experiência Somática e membro da Associação Brasileira de Trauma. E-mail: eulinaterapeuta@gmail.com | site:www.eulinaterapeuta.com
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