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Quantos de nós, quando éramos pequenos, no desejo de descobrir o mundo, de experimentar, de sentir e expressar o que sentíamos, ouvíamos dos nossos cuidadores: “se fizer isso o bicho papão vai lhe comer”, ou até, “se fizer isso o fantasma que vai lhe pegar!”. Fico a pensar nessa imagem e sensação que ela me traz só de pensar e a vontade que me dá de correr desse fantasma. Esse exemplo traz, de forma alegórica, exatamente como construímos as nossas sombras.
E o que vem a ser a Sombra? É o lado escuro que se esconde atrás de nós quando estamos na luz! Por definição Junguiana, é a parte do nosso Ser que foi reprimida durante a nossa jornada de vida e que somos convidados a não olhar, por inadequação ao nosso ego. Explicando melhor, é quando somos educados, por exemplo, para sermos bonzinhos, não sentirmos raiva, para não sermos egoísta, para não contrariarmos o outro, para dar beijos quando não temos vontade de dar porque estamos com raiva, e a lista tomaria todo esse artigo se aqui continuasse.
Sendo educados dessa forma, somos convidados a colocarmos uma venda nos olhos para negar aquilo que também somos. Negar a expressar o que sentimos, e acrescento, negar o medo de sermos rejeitados se um dia apresentarmos esse nosso lado não tão bem vindo pelo meio social no qual estamos inseridos.
E se todos somos bonzinhos, educadinhos, eu lhe pergunto: e de onde vem tanta maldade, tanta destruição, tantos atos de raiva presentes na humanidade? Logo damos uma resposta: “de mim não vem”. Com certeza vem sempre do outro. Quem é o outro senão o nosso espelho, que reflete também as nossas mazelas e que temos dificuldade de reconhecer e enxergar?
Ninguém quer ser o lobo mau, pois sabe que se ele se apresenta os caçadores, com certeza, vão destruí-lo. Então escondemos o nosso lado mal aguardando que alguém tenha a coragem de apresentá-lo e, assim, se inicia o apoio aos movimentos radicais – aos Hitlers da vida – e a humanidade vai caminhando sem se dar conta de si.
Eva Pierrakos, fundadora de um caminho espiritual chamado Pathwork, em seu livro “Não temas o mal”, diz que o mal é o entorpecimento da Alma. Crianças que se sentem feridas, rejeitadas e impotentemente expostas à dor e à privação, frequentemente, descobrem que entorpecer os seus sentimentos é a única proteção contra o sofrimento. Quando esse entorpecimento passa a ser a segunda natureza e é mantido muito tempo depois que as circunstâncias dolorosas mudaram, quando a pessoa não é mais criança indefesa, isso, na melhor das hipóteses, é o início do mal.
Então, o mal reside em todos nós. Pois, atire a primeira pedra aquele que não sentiu dores e teve os seus sentimentos reprimidos, que lhe gerou sofrimentos, que precisou entorpecê-los para se manter vivo. Quem já não cometeu um ato de mesquinhez ou de egoísmo?
Eu com certeza já fiz tantas coisas que me tornei antipática para o outro ou até autoritária e nem por isso devo ser desqualificada. Em alguns aspectos meus posso ser isso e não totalmente. Você, provavelmente, já praticou atos de egoísmo, de mesquinhez e nem por isso deve, também, ser qualificada como uma má pessoa. Afinal de contas somos Seres Humanos e tanto o mau quanto o mal pertence a cada um de nós, e não somos totalmente maus. Somos o todo.
O tamanho da nossa sombra é a soma das sombras de todos os Seres. É só posicionar bem o espelho.
Arigo publicado no Jornal Diário de Ilhéus em 01/12/2017
Mais um artigo que merece a nossa constante reflexão, passando pela intrincada “consciência”, de cada um, provocando respostas individuais, que sem sombra de dúvida resulta na soma de todas as nossas indagações.
Parabéns por nos proporcionar esse exame do nosso arquivo, muitas vezes tão desarrumado.
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