Na semana passada, fui ao caixa eletrônico de um mercado de Salvador e presenciei um policial empurrar o carrinho com toda a força que lhe cabia, no rosto de um rapaz acocorado que havia roubado clientes e que, anestesiado pela dureza da vida, parecia não sentir dor.
Por não suportar o que via, gritei avisando ao policial que estava observando o que ele estava fazendo e que prendesse o rapaz, mas não batesse. Ele se intimidou com a minha voz e com o fato de estar com o celular nas mãos, e eu não me deixei intimidar com o abuso de autoridade dele e com aquela inversão de valores, como se a errada ali fosse eu.
Quando me retirei do local, me dirigi ao policial e disse a ele que, por favor, prendesse o rapaz e não batesse. Com toda a sua autoridade egóica, disse-me que iria se retratar a mim como Sargento Gonçalves. Com o dedinho levantado, ele me disse que qualquer coisa que ele fizesse ali iria responder à Central dele, e que o rapaz havia roubado duas senhoras com crianças.
Escutei-o atentamente e disse a ele que queria acreditar que ele era orientado para escutar e agir conforme a lei, e não bater. Ele prontamente me respondeu que quando eu fosse assaltada com os meus filhos eu iria lhe dizer o que era para ele fazer.
Quando um policial, cuja a função é promover e garantir a dignidade das pessoas, se acha no direito de agir dessa forma, ele quebra o seu compromisso com a ordem e com a democracia. E também me diz que, a lei que deveria ser cumprida não é, quando a sua ação de prender é desconsiderada e, no dia seguinte, este rapaz estará novamente solto para roubar. Daí querer fazer justiça com as próprias mãos.
Não sei o que me tocou mais, a cena do policial batendo ou todos calados autorizando o policial a bater.
Tanto o rapaz quanto o policial simbolizam as nossas carências. É o símbolo da falta de ordem e de cumprimento das leis em nosso país, de segurança, de afeto, de amor que está existindo entre as pessoas e nas famílias. Quando uma sociedade corrompida, que a todo o instante infringe a ordem e as leis – inclusive aqueles que deveriam fazer cumprir a lei – está cheia de rancor e de raiva, acaba desejando a ordem com violência pelas mãos alheias, e o que é pior, achando tudo normal, aí a desordem se retroalimenta.
É preciso compreender que, enquanto ficarmos na arquibancada observando o jogo da desigualdade em todos os níveis, cenas como esta que assisti irão se multiplicar.
Longe de fazer apologia ao roubo, penso que a solução pode ser factível, quando a voz do sofrimento alheio puder ser escutada com amorosidade, respeito e dentro da lei. De fato, o policial poderia estar se comportando daquela maneira com aquele suposto ladrão, no meio da rua, na frente de todos? Creio que a ação policial deva ser firme e ordeira para buscar corrigir o que está errado. Os excessos e as faltas levam ao desequilíbrio, que, por sua vez, gera ações de violência. Como dizia Thomas Hobbes “O homem é o lobo do próprio homem”.
Mas, já que todos querem viver em uma sociedade mais pacífica, precisamos saber que o problema do outro pode virar o nosso problema. Penso que quando formos capazes de olhar o outro como um igual, é que teremos a coragem de entrar em campo para semear a paz, sem deixar calarem a nossa voz.
Artigo publicado no jornal Diário de Ilhéus em 16/2/2018.